Tranquilizo-me quando encontro um rosto conhecido disposto a me guiar ao fazer a passagem. Insisto em terminar atividades que deixei pendentes e, com um esforço muito grande, teimo em exercer a tangibilidade que não possuo mais na tentativa vã de deixar sinais da minha existência etérea para tranquilizar aqueles que ficaram e assim, é claro, também tranquilizar o meu próprio coração.
O ambiente é tão familiar que me comporto como se fosse realmente aquele que deixei para trás, mas, à medida em que reconheço os elementos e me aprofundo, a sensação de que tudo não passa de analogia da minha existência me provoca desconforto e, apesar de ainda negar que aquilo não é real, me dou conta de que tudo não passa de criação do meu próprio cérebro com a nítida intenção de atenuar o sofrimento que poderia provocar a consciência de que eu não existo mais ou de que estou, irremediavelmente, deixando de existir. É a tal fagulha se esvaindo.
Talvez tudo isso não dure mais do que uma fração de segundo, como quando comparo o tempo transcorrido em um sonho e seu equivalente quando acordado, mas ainda assim parece muito tempo. Muitas horas que bem poderiam ser dias ou anos, entretanto o necessário para que o esvair-se seja justificado ou deixe de importar. E, de fato, as questões que tanto me incomodam vão deixando de exigir respostas quanto mais eu exploro aquele ambiente. Não que as situações as respondam, mas os subentendidos e as análises superficiais passam a bastar.
Desencarnado, insisto em dobrar um jogo de toalhas e colocá-las sobre a velha mesa de centro que fora da minha avó e, há muitos anos e dois lares, não ocupa mais esse lugar no meio da sala — eis uma das muitas evidências do absurdo que eu presencio na experiência do não existir — enquanto parentes, em um exercício de mútuo consolar, tentam lidar com minha morte. O guia e um espírito-irmão me apressam e tentam me convencer da inutilidade daquilo que eu executo.
Muitos outros espíritos circulam pela casa, o que me dá a impressão de que fazem algum barulho nos cômodos, e, de vez em quando, meus familiares olham na direção do que foi o meu quarto como se ouvissem algo. Mesmo a reação deles não passa da manifestação da minha percepção acerca das suas crenças no metafísico.
O povo do lado de lá distribui canapés e é consenso, me dizem, de que o consumo deve ser imediato. Algum espírito de porco me conta, com o nítido objetivo de me provocar desprazer, que os tais canapés precisam ser consumidos rapidamente porque a sua validade é a mesma do corpo da alma que o produz e quando ele começa a apodrecer o mesmo acontece com o acepipe.
O guia e o espírito-irmão tentam desconversar, mas os dois canapés que tenho nas mãos rapidamente amolecem e assumem a forma e textura de carne acinzentada, então, nos poucos passos que cabem naquele metro e meio que me separa da pia, vermes surgem daqueles dois pedaços de carne podre.
O ambiente é tão familiar que me comporto como se fosse realmente aquele que deixei para trás, mas, à medida em que reconheço os elementos e me aprofundo, a sensação de que tudo não passa de analogia da minha existência me provoca desconforto e, apesar de ainda negar que aquilo não é real, me dou conta de que tudo não passa de criação do meu próprio cérebro com a nítida intenção de atenuar o sofrimento que poderia provocar a consciência de que eu não existo mais ou de que estou, irremediavelmente, deixando de existir. É a tal fagulha se esvaindo.
Talvez tudo isso não dure mais do que uma fração de segundo, como quando comparo o tempo transcorrido em um sonho e seu equivalente quando acordado, mas ainda assim parece muito tempo. Muitas horas que bem poderiam ser dias ou anos, entretanto o necessário para que o esvair-se seja justificado ou deixe de importar. E, de fato, as questões que tanto me incomodam vão deixando de exigir respostas quanto mais eu exploro aquele ambiente. Não que as situações as respondam, mas os subentendidos e as análises superficiais passam a bastar.
Desencarnado, insisto em dobrar um jogo de toalhas e colocá-las sobre a velha mesa de centro que fora da minha avó e, há muitos anos e dois lares, não ocupa mais esse lugar no meio da sala — eis uma das muitas evidências do absurdo que eu presencio na experiência do não existir — enquanto parentes, em um exercício de mútuo consolar, tentam lidar com minha morte. O guia e um espírito-irmão me apressam e tentam me convencer da inutilidade daquilo que eu executo.
Muitos outros espíritos circulam pela casa, o que me dá a impressão de que fazem algum barulho nos cômodos, e, de vez em quando, meus familiares olham na direção do que foi o meu quarto como se ouvissem algo. Mesmo a reação deles não passa da manifestação da minha percepção acerca das suas crenças no metafísico.
O povo do lado de lá distribui canapés e é consenso, me dizem, de que o consumo deve ser imediato. Algum espírito de porco me conta, com o nítido objetivo de me provocar desprazer, que os tais canapés precisam ser consumidos rapidamente porque a sua validade é a mesma do corpo da alma que o produz e quando ele começa a apodrecer o mesmo acontece com o acepipe.
O guia e o espírito-irmão tentam desconversar, mas os dois canapés que tenho nas mãos rapidamente amolecem e assumem a forma e textura de carne acinzentada, então, nos poucos passos que cabem naquele metro e meio que me separa da pia, vermes surgem daqueles dois pedaços de carne podre.